Não é de hoje que o mercado dos criptoativos vive uma pressão exacerbada por parte dos governos e entidades regulatórias.
Tal pressão visa regular a indústria das moedas digitais em todas as suas vertentes, e os motivos mais relacionados para este propósito é a proteção dos investidores e o combate aos crimes financeiros como a lavagem de dinheiro e evasão de divisas, entre outros motivos.
A mídia tradicional, por sua vez, conjuga o verbo das autoridades e cria um meio sensacionalista de expor a problemática da falta de regulação da indústria cripto.
Entretanto, os números sobre crimes financeiros com moedas digitais e certas características do mercado provam que usar as moedas digitais para crimes financeiros não é tão simples assim.
Muito pelo contrário, amplamente rastreáveis e transparentes, as moedas digitais para serem usadas em crimes financeiros precisam de pessoas muito hábeis e com amplo conhecimento dentro deste meio, algo bastante distante das habilidades dos mais diversos tipos de criminosos que existem por aí.
Assim, os reguladores usam das mais diversas falácias para justificarem o aumento da pressão regulatória, e a principal delas são os crimes financeiros.
Perseguição à indústria de criptoativos
Entre os anos de 2020 e 2022 houve uma forte discussão sobre o consumo exacerbado de energia e a produção de poluentes mediado pelo uso de máquinas que validam transações e mineram criptomoedas através da prova de trabalho (PoW).
Sim, criptomoedas como o Bitcoin consomem muita energia, mas os números comparados a demais indústrias que consomem bastante energia e geram poluentes são infimamente inferiores.
Mesmo assim a regulação ‘bateu forte’ na indústria da mineração de criptomoedas, como se as que usam os sistemas algorítmicos de PoW fossem o mais novo mal para a humanidade.
Já a regulação voltada para o sistema financeiro dos criptoativos caminhava a passos lentos há alguns anos, e visava muito mais a taxação de impostos do que regular a indústria como um todo.
Neste meio tempo, quem mais ia contra os criptoativos eram os bancos, de certa forma, que encerravam contas de clientes numa tentativa obsoleta de impedir seu desenvolvimento.
A partir de 2019 as entidades regulatórias começaram a entrar de forma mais pesada contra empresas cripto, visando obviamente as que mais se destacavam no mercado.
Como exemplo temos a exchange Binance, que amplamente perseguida em 2020 e 2021 sucumbiu à regulação e passou a correr atrás de suprir as obrigatoriedades regulamentares dos governos de cada país.
E desde o ano passado, principalmente os Estados Unidos passaram a liderar a perseguição ao mercado, e principalmente a Comissão de Valores Mobiliários SEC, através de seu presidente, Gary Gensler, coordenou as sanções sobre as empresas e os criptoativos.
Agora o mercado vivencia a classificação dos criptoativos como títulos imobiliários, e as empresas centralizadas vivenciam o medo de serem a próxima a receber um processo proveniente da SEC ou outra entidade regulatória.
É claro que a regulação em seu todo não é ruim, haja visto o que aconteceu com a exchange Mt.Gox, o protocolo Terra/LUNA, e a exchange FTX.
Entretanto, associar os criptoativos como os maiores condutores de crimes financeiros é um grande equívoco.
Estão exagerando?
De acordo com James Butterfill, colunista do CoinShares, ‘o uso de criptomoedas para atividades criminosas é muito exagerado na mídia’, e assim publicou um Artigo onde abordou o que chamou de ‘falsas narrativas’.
Butterfill trouxe dados da empresa analítica forense, Chainalysis, que mostrou que os crimes financeiros usando criptoativos movimentou cerca de US$ 20 bilhões em 2022.
O ano passado bateu recordes de transações consideradas ilegais, e também de ataques hackers, conforme o próprio Bitnotícias noticiou citando fontes como a Immunefi e Chainalysis.
Mas isto pode estar relacionado ao crescimento do mercado, e a diversos outros fatores que não envolvem apenas o mercado cripto, como por exemplo os ataques do tipo phishing, disseminados pelas redes sociais.
Nos dados recordes de 2022 apresentados estavam inclusas transações realizadas em carteiras sancionadas pelo governo norte-americano à Rússia devido à guerra, o que não necessariamente possam estar relacionadas com crimes diversos, salvo a própria condição do desrespeito à sanção.
Enquanto muitos portais de notícias mostraram apenas os números, o Bitnotícias relacionou um dos motivos que levaram ao recorde de transações ilegais propiciando certa reflexão diante da informação.
US$ 20 bilhões é muito?
A classificação de muito e pouco é relativa.
Este montante de US$ 20 bilhões referentes a crimes financeiros com criptoativos pode parecer muito, e de fato é.
O ideal seria o mercado evoluir em segurança ao ponto de serem mínimos os crimes financeiros praticados.
Entretanto, muitos protocolos cripto e exchanges centralizadas dão preferência ao desenvolvimento de seus projetos e deixam um pouco de lado a segurança dos usuários.
Antes, as exchanges centralizadas sofreram com ataques hackers, mas desde o advento das exchanges descentralizadas os hackers voltaram seus olhos para a fragilidade e omissão dos processos de auditorias protocolares.
Esta relativa falta de segurança fez com que investidores aderissem mais aos serviços de renda passiva em exchanges centralizadas do que em descentralizadas, conforme dados da Chainalysis.
Esta mesmo Artigo mostrou o volume de ataques hackers muito maior em exchanges descentralizadas do que nas centralizadas.
Há diversos pontos de discussão sobre este assunto que não estão em pauta aqui, o fato é que o valor de US$ 20 bilhões em crimes financeiros com criptoativos em um ano pode ser considerado baixo.
Apenas para ser uma ideia, no momento desta redação, faltando três horas para o fechamento do mercado no diário, apenas o Bitcoin movimentou cerca de US$ 39, 1 bilhões em transações.
Assim, em menos de um dia o Bitcoin transacionou praticamente o dobro do volume financeiro levantado em crimes com criptoativos em todo o ano passado.
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Rastreável
As transações dentro de uma blockchain são públicas, transparentes, auditáveis e rastreáveis.
Toda transação fica registrada num livro de registro contábil chamado de ledger, e assim quem usar o meio das moedas digitais de forma ilícita deixará suas atividades registradas, passíveis de serem bloqueadas, e inclusive em algum momento os criminosos poderão ser presos.
Como exemplos temos os casos das exchanges e das gestoras de stablecoins que vira e mexe bloqueiam fundos ou endereços de usuários, aos quais supostamente os fundos foram provenientes de ataques criminosos.
Em um dos casos mais emblemáticos de crimes financeiros, o FBI conduziu uma investigação e conseguiu recuperar cerca de US$ 3,6 bilhões (94.000 Bitcoins), roubados em ataque hacker à exchange da Bitfinex, além de prender os envolvidos.
Não por menos, o ex-diretor da CIA, Michael Morell, disse em entrevista que ‘quando você olha para os dados e olha para os fatos, há menos atividades ilícitas no Bitcoin do que no sistema bancário tradicional e certamente muito menos do que em dinheiro. Então isso foi uma surpresa’.
E disse que na atualidade o Bitcoin não está mais exposto ao uso ilícito do que qualquer outra forma de moeda, e que a blockchain é a melhor ferramenta de vigilância disponível, tornando mais fácil para a aplicação da lei rastrear criminosos que usam criptomoedas para fins ilegais.
FIAT é amplamente usado em crimes financeiros, e não os criptoativos
Em março do ano passado o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos divulgou relatórios aos quais mostraram que os crimes de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo continuam habitualmente sendo feitos com dinheiro FIAT, e não moedas virtuais.
Em 2016 a Europol deflagrou uma investigação que mostrou que em apenas uma semana cerca de € 10,4 milhões de euros foram utilizados em atividades criminosas.
O curioso é que as notas mais usadas nestes crimes eram as de € 500, onde a Europol estimou que cerca de 30% de todas as notas existentes com este valor eram usadas em atividades criminosas.
O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes estima que entre 2% e 5% do PIB global, algo entre US$ 800 bilhões e US$ 2 trilhões, é lavado por meio de instituições financeiras tradicionais a cada ano.
Em contrapartida, de acordo com a Chainalysis o uso de criptoativos nos crimes de lavagem de dinheiro têm diminuído nos últimos anos.
No ano de 2019, cerca de 3,37% dos fundos movimentados de forma ilegal correspondiam à parte dos ativos digitais, mas esta representatividade veio caindo e em 2021 esta porcentagem foi de cerca de 0,15%.
Dados de 2023, levantados pela Chainalysis e CoinShares mostraram que em 2022 o montante financeiro usado para a lavagem de dinheiro com criptoativos representou 0,6% de toda a atividade criminosa deste tipo usando dinheiros.
O dinheiro FIAT, em papel, não é rastreável, e as próprias instituições financeiras e entidades regulatórias não conseguem controlar as trocas financeiras criminosas usando a moeda do Estado.
O ponto aqui é que os governos não fazem todo este alarde com o dinheiro FIAT, sendo que este, sim, ainda é amplamente utilizado nos mais diversos crimes financeiros.
Um exemplo gritante disto é que em seu início o Bitcoin foi amplamente relacionado ao comércio de entorpecentes na darkweb, mas raramente o dinheiro FIAT é relacionado como sendo um mediador do comércio de drogas ilícitas.
Atualmente a indústria de ransomware é amplamente citada como meio criptográfico usado para fins ilegais.
Entretanto, em 2022 os ransomwares usando criptoativos computaram cerca de US$ 450 milhões em crimes, sendo que as receitas de crimes cibernéticos totalizaram US$ 6 trilhões em 2021.
A empresa Elliptic citou o caso dos serviços de embaralhamento de endereços de criptoativos, funcionalidade esta que pode ser usada através de um misturador como o Tornado Cash.
As entidades regulatórias e polícias sabem que é possível reverter o que foi feito através de serviços de mixagem de criptoativos, mas preferiram banir o protocolo em 2022 e prender seu desenvolvedor como se este fosse um criminoso.
Conclusão
Para Butterfill, ‘as agências de aplicação da lei estão trabalhando ativamente para rastrear criminosos que usam criptomoedas para fins ilícitos’.
A transparência das blockchains públicas e as empresas especializadas que oferecem análise de blockchain tornam difícil para os criminosos o uso de criptoativos para fins ilegais.
Assim, Butterfill ressalta que ‘é importante manter as coisas em perspectiva, olhar para os dados e não deixar que a cobertura sensacionalista da mídia influencie nossas percepções sobre o papel das criptomoedas na atividade criminosa’.