Esta semana o mercado de ações ficou abalado com a notícia do rombo de caixa bilionário, de cerca de R$ 20 bilhões, em uma das maiores e mais tradicionais empresas de varejo do país, a Americanas (ticker AMER3).
A Americanas S.A. anunciou em fato relevante aos seus acionistas e ao mercado em geral que há “inconsistências em lançamentos contábeis redutores da conta fornecedores”.
O acontecimento fez com que o novo CEO da empresa, Sergio Rial, e o CTO da empresa, André Covre, renunciassem a seus cargos.
Com esta bomba na empresa o mercado certamente reagiria mal à notícia, e as ações das Americanas sofreriam forte queda nesta quinta-feira (12) após abertura da Bolsa de Valores nacional (B3).
Assim, logo após a abertura da B3 no dia 12 (quinta-feira) a forte queda das ações da AMER3 fez com que o ativo entrasse em leilão.
A seguir, a forte queda em outras empresas do ramo como Magazine Luiza (MGU3) e Via Varejo (representante das Casas Bahia – VIIA3) também fez com que estes papéis entrassem em leilão.
Habitualmente os papéis de uma empresa listada na Bolsa de Valores são negociadas no ‘pregão’, através das boletas de negociação com ordens de compra e venda.
Mas em situações extraordinárias a B3 fecha a negociação no pregão e abre a negociação em leilão.
O leilão de ações é um recurso utilizado pela Bolsa de Valores para restringir ou limitar as altas oscilações no valor dos ativos, diminuindo a volatilidade ou distorções nos preços.
Desta forma o mercado para de negociar aqueles papéis em específico de forma aberta, e as ofertas de compra e venda passam a acontecer em um sistema fechado.
Centralizado versus Descentralizado
O mercado de renda variável tradicional, ou mercados de ações, não apenas no Brasil mas em todo mundo possui limitações e restrições que de certa forma não são devidamente justas a todos os investidores, e em certas circunstâncias buscam ajudar as empresas e os grandes investidores.
Antes de mais nada é importante separar o mercado de negociações de ações do de criptoativos devido ao seu período de funcionamento.
As ações são negociadas em horários e dias restritos nas Bolsas de Valores em cada país, enquanto o mercado de negociação de criptoativos, independentemente se for em uma exchange centralizada ou descentralizada, opera sem pausas (sete dias por semana, 24 horas por dia, inclusive em feriados).
Um ponto a ser abordado aqui é que nos casos mais diversos as empresas listadas nas Bolsas de Valores manipulam informações importantes para que estas não sejam divulgadas em horário de operação do mercado.
Sequer estas informações chegam à mídia em geral antes da abertura do mercado; cita-se o próprio exemplo do que ocorreu com a AMER3 onde as informações foram disponibilizadas após o fechamento do pregão.
Parece que esta é uma situação premeditada para que as grandes empresas de investimentos e acionistas não sejam pegos de surpresa com fatos relevantes.
Já no mercado dos criptoativos não tem dessas, e se algo acontecer a notícia corre independentemente da dia e horário.
Ademais, em momentos críticos para empresas, a Bolsa de Valores pode operar três tipos de leilões.
Diariamente ocorre leilão pré-abertura da Bolsa, e leilão de fechamento da Bolsa; e em caso de volatilidade acima de 10% (de alta ou baixa) os papéis de uma empresa podem entrar em leilão.
Esta medida é usada para ‘proteger’ empresas e investidores, e de fato é um meio usado pelas Bolsas para controlarem o preço de ativos.
E também em casos mais críticos do mercado, onde o seu todo é comprometido, pode ocorrer o ‘circuit break’, onde a Bolsa de valores simplesmente fecha e todas as negcociações são pausadas.
Muito se critica o mercado de negociações dos criptoativos devido a sua alta volatilidade, mas de fato, o que ocorre é que este mercado não aceita ser controlado, ou melhor dizendo, manipulado por uma instituição centralizadora que não permite o livre e justo comércio dos ativos de empresas.
Os criptoativos, salvo o Bitcoin (BTC), de fato são ativos de empresas que são negociados em exchanges centralizadas (CEX) e descentralizadas (DEX) como se fossem ações de empresas sendo negociadas em Bolsas de Valores.
E assim, caso ocorre um fato relevante em uma empresa cripto, ou um fato relevante para todo o mercado de criptoativos, as CEX e DEX não agirão de forma centralizada suspendendo os pares de negociação de criptoativos em específicos ou em um todo.
Dados dentro da cadeia
O fato ocorrido dentro da empresa Americanas expõe um lado negativo das empresas centralizadas, onde as informações são restritas e estão em posse de um pequeno grupo que administra a empresa.
Como pode uma empresa ter um rombo de caixa de R$ 20 bilhões e esta informação apenas chegar agora para os investidores?
Esta dívida não apareceu do nada, e certamente vem crescendo ano após ano.
Não seria justo apontar o dedo para a Americanas sendo que no mês de outubro do ano passado a exchange de criptoativos, FTX, apresentou o mesmo problema.
E assim como a Americanas contratou empresas de auditoria nos últimos anos, a maior exchange de criptoativos centralizada do mundo, a Binance, depois do incidente com a FTX também tentou apresentar uma prova de reservas.
O curioso é que as auditorias tanto das Americanas como da Binance se mostraram falhas.
Por fatos como este que dados dentro da cadeia (on-chain) da blockchain são importantes, pois tudo é transparente em redes abertas e não centralizadas.
Não há como esconder dos desenvolvedores, das empresas de segurança de dados, ou de qualquer pessoa o que está acontecendo dentro de uma blockchain de código aberto.
E isso remete às DEX que possuem volume de transação e valor total de criptoativos em garantia (TVL) muito mais transparentes do que as CEX.
Manipulação de preço e o caso da AMER3
Os mercados de renda variável, no geral, tentam coibir a manipulação de preços de ativos, como a prática de ‘spoofing’ e ‘front running’ , e o acesso a informações privilegiadas, caracterizado como crime de ‘insider trading’.
A prática de spoofing nos mercados financeiros normalmente usam robôs para colocar e retirar ordens das boletas de negociação que podem enganar ou iludir os investidores em relação ao preço e volume de negociação de um ativo.
Mas estas são práticas relativamente difíceis de serem coibidas como um todo.
A legislação possui regras e condutas estipuladas para coibir tais tipos de crimes nos mercados centralizados, como o de ações e nas CEX, onde a prática de insider trading é considerado crime financeiro.
Já nas DEX a prática de front running é mais habitual de acontecer.
O front runnig é uma prática criminosa onde um investidor obtém informações antecipadas sobre a execução de ordens de compra e venda de ativos do mercado tradicional ou criptoativos.
Nesta prática, este investidor influencia a formação dos preços dos ativos.
Mas nas DEX, por exemplo, práticas abusivas podem ser limitadas quando se estabelece critérios de contenção de práticas de front running com controle de ‘derrapagem de preço’, conhecida como ‘slippage’.
Slippage é a diferença entre o preço esperado de uma ordem e o preço quando a ordem realmente é executada, e como as DEX habitualmente não possuem (ainda) livro de ofertas, as ordens executadas a mercado podem trazer grandes variações de preço.
Assim, para minimizar estes efeitos adversos, as DEX possuem controle de slippage, em porcentagem do valor do preço do criptoativo, onde uma margem de variação é aceitável e definida pelo investidor.
O Bitnotícias traz este conceito de crimes de manipulação de preço, pois no caso da AMER3, há a suspeita de tenha havido o crime de insider trading.
Segundo consta nas ordens de mercado de opções da B3, duas operações envolvendo opções de venda das ações da AMER3 e uma envolvendo opções de compra de AMER3 criaram suspeitas de manipulação de preços por terem sido volumosas.
No mercado de opções há a chamada opção de call (direito de comprar um ativo num preço futuro), e a chamada opção de put (direito de vender um ativo num preço futuro).
O fato é que estas negociações de opções ocorreram pouco antes da divulgação do fato relevante da AMER3.
O ponto que chamou a atenção foi que habitualmente o volume de calls e puts para as ações da AMER3 são baixos, mas na quarta-feira (11), antes de encerrar o leilão de fechamento da B3, ocorreu um grande volume de negociação de opções das ações das Americanas.
Vale lembrar que o fato relevante da Americanas foi divulgado após o fechamento da B3 no dia 11, e na quinta-feira (12), o mercado abriu com queda forte das ações da AMER3.
Assim, as suspeitas dão quase como certas de que houve manipulação de preço das ações da AMER3, algo que poderá se tornar objeto de investigação por parte da Comissão de Valores Mobiliários, CVM.
Segundo a empresa Quantzed, um hub de informações de mercados financeiros, a margem de lucro caso confirmada a suspeita pode variar de R$ 5 milhões a R$ 40 milhões.
Já a empresa TC Economatica foi mais além, onde análise da empresa mostrou que houve um notório crescimento de investidores apostando na queda das ações da AMER3 antes da publicação dos fatos relevantes do rombo da empresa.