As propostas divulgadas por Sérgio Moro, que visam a alteração de diversas de previsões contidas no Código Penal, no Código Processual Penal, na Lei de Execuções Penais e em outras Leis, apesar de necessárias para combate ao crime organizado no Brasil, podem trazer dificuldades para o uso de criptomoedas no Brasil.
A proposta mais significativa para as criptomoedas é a mudança do artigo 1º, § 1º, da Lei nº. 12.850/2013, que, caso entre em vigor, conjuntamente com o Decreto nº. 9.663/2019 e os artigos 1º, 9º, 10º e 11 da Lei nº. 9.613/1998, podem dar origem a um cerco legal contra as criptomoedas que, num primeiro momento, atingiria as exchanges mas que não tardaria em atingir os mercados OTC, aos vendedores P2P e, por fim, aos próprios usuários de criptomoedas.
Tudo isso se deve não a rigidez da Lei e sim a flexibilidade que a Lei deu para a autoridade pública de dizer o que a Lei quer dizer conforme sua própria opinião, o famoso entendimento discricionário.
Tal situação pode ser facilmente observada na Lei nº. 9.613/1998, também conhecida como Lei de Lavagem de Dinheiro.
Os artigos 1º, 9º, 10º e 11 da Lei nº. 9.613/1998, que deveriam definir as situações de ocultação de bens ou da lavagem de dinheiro, na realidade, não conseguem definir com clareza suficiente quais seriam realmente estas situação. Assim, resta a autoridade pública aplicar seu entendimento discricionário e definir, supostamente, dentro das acepções do texto da Lei, segundo sua própria consciência e entendimento pessoal, se uma situação seria caracterizada como lavagem de dinheiro, ocultação de bens ou não.
Para se ter uma ideia de quão superficial são as descrições nos artigos 9º, 10º e 11 da Lei nº. 9.613/1998, posso dar um exemplo que apesar de aparentemente absurdo, conforme o pensamento da autoridade pública, é bem crivo de acontecer que é a antiga prática de se guardar dinheiro em baixo do colchão. Tal prática, pela letra da Lei, poderia ser considerada como prática de ocultação de bens ou de lavagem de dinheiro pela autoridade publica.
A falta de um marco legal para os criptoativos ajuda a piorar o cenário uma vez que na inexistência de um definição legal, a autoridade pública se vê forçada a encaixar as criptomoedas dentro da definição legal que seja capaz de encontrar e a definição encontrada foi a dos bens mobiliários. Tal fato, além de chamar a atuação da CVM e a fiscalização pelo COAF que recentemente, com advento do Decreto nº. 9.663/2019, obteve mais poderes para realizar suas atividades e operações.
O fato da ocultação de bens e da lavagem de dinheiro poder advir de movimentações atípicas faz com que o COAF, por meio da integração de informações do cidadão, utilizando-se de sistemas como o Cadastro Único, do CNIS (INSS), SFN (Banco Central), da Receita Federal e outros, sempre amplie sua capacidade de buscas através do cruzamento de dados e se torne cada vez mais necessário para localização e identificação de possíveis crimes.
É, neste ponto, que o anteprojeto de Sérgio Moro pode vir a dificultar as operações com criptomoedas uma vez que a alteração proposta para o artigo 1º, § 1º, da Lei nº. 12.850/2013, caso aplicada, mudaria os requisitos atualmente existentes para definição do crime de organização criminosa de uma numa única frase para a relativização de elementos para através da redação de uma frase e 03 incisos.
Redação atual:
“Art. 1º……………………………………………………………………………………………………………
§ 1º. Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.”
Redação proposta: ”
Art. 1º……………………………………………………………………………………………………………
§ 1º. Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, e que:
I – tenham objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos;
II – sejam de caráter transnacional; ou
III – se valham da violência ou da força de intimidação do vínculo associativo para adquirir, de modo direto ou indireto, o controle sobre a atividade criminal ou sobre a atividade econômica, como o Primeiro Comando da Capital, Comando Vermelho, Família do Norte, Terceiro Comando Puro, Amigo dos Amigos, Milícias, ou outras associações como localmente denominadas.”
Tal alteração parece pouca e superficial mas a retirada da objetividade ainda existente na Lei por uma subjetividade aparente tornaria a interpretação da autoridade pública ampla e etérea ao ponto de poder, conforme o caso, se deliniar as seguintes situação:
01. Exchanges e seus usuários: prática do crime de organização criminosa (artigo 1º, § 1º, da Lei nº. 12.850/2013) c/c o crime de ocultação de bens (artigo 1º da Lei nº. 9.613/1998) ou de lavagem de dinheiro (artigos 9º, 10º e 11 da Lei nº. 9.613/1998).
02. Operações OTC: prática do crime de associação criminosa (artigo 228 do Código Penal) c/c o crime de ocultação de bens (artigo 1º da Lei nº. 9.613/1998) ou de lavagem de dinheiro (artigos 9º, 10º e 11 da Lei nº. 9.613/1998).
03. Venda P2P ou uma simples transferência de criptomoedas: prática do crime de ocultação de bens (artigo 1º da Lei nº. 9.613/1998) ou de lavagem de dinheiro (artigos 9º, 10º e 11 da Lei nº. 9.613/1998) com concurso material ou formal (artigos 69 e 70 do Código Penal).
Contudo, nada está definido e somente podemos aguardar os fatos acontecerem para sabermos o que ocorrerá e como o mercado e a comunidade dos criptoativos ira se moldar e adaptar a uma realidade que se apresenta cada vez mais hostil e inflexível as criptomoedas.