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O apocalipse das exchanges no Brasil começou?

Por Eduardo Grassi Gogola

Foi publicada no Diário Oficial da União (DOU), na data de 07 de maio de 2019, edição 86, seção 01, p. 14, a Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil (IN/RFB) nº. 1.888, outorgada em 03 de maio de 2019.

Está IN já vinha sendo esperada pela comunidade brasileira de criptoativos desde a realização, pela Receita Federal, da Consulta Pública nº. 08, de 30 de outubro de 2018, para elaboração, nas palavras do edital de convocação desta consulta pública, de Instrução Normativa (IN) sobre prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos.

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Em 03 de abril de 2019, a comunidade se agitou com um artigo do portal CriptoFácil da possibilidade de que a IN fosse publicada até o 15/04/2019 não devendo ultrapassar a publicação até o final do mês de 04/2019, fato este que rapidamente se espalhou pela rede e, que, na opinião e experiência pessoal deste autor, pode ter contribuído para o adiamento da publicação da IN.

A IN não oferece nenhuma novidade além do que já era esperando pela comunidade cripto uma vez que já estavam circulando dentro da comunidade informações de que, além das exchanges, de alguma forma, seriam incluídos as OTC, os mercados P2P e até o usuário de criptomoedas. Em suma, seria uma normatização tributária do mercado de criptoativos que atingiria toda a comunidade.

O que surpreendeu nesta IN é a percepção imediata de um extremo cuidado dedicado pela RFB na elaboração e redação uma vez que oferece uma leitura simples, clara e direta podendo ser alegados poucos argumentos legais contra a respectiva norma infralegal tributária.

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É possível afirmar o descumprimento ao princípio da legalidade uma vez que algumas disposições presentes nesta IN deveriam estar regulamentadas por legislação superior, em especial, Lei Complementar e Decreto Federal, mas, na opinião do autor, a maior possibilidade jurídica se encontra em relação a Medida Provisória nº. 881, de 30 de abril de 2019, que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.

Contudo, entre debates e enclaves jurídicos questões que realmente interessam e que surgem são as seguintes: Essa IN ajuda ou atrapalha? Como será o mercado de criptos no Brasil? Terei de declarar minhas criptos? Como farei isso? Realmente terei de fazer isso?

De início, o mais surpreendente a ser dito, é que está IN acaba mais ajudando o mercado cripto, em especial as exchanges do que realmente atrapalhando pois enfim derruba o argumento bancário da lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio deixando as instituições financeiras somente apoiadas no argumento do desinteresse de manutenção de vínculo contratual, o que, no caso de uma exchange e de vendedor P2P, se tornaria no único argumento para o encerramento de uma conta bancária. Praticamente estabelecendo um marco normativo para as criptos cujo foco recai para a esfera tributária.

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O segundo ponto a ser abordado aqui é que apesar da publicação da IN, ocorrida na data de 07 de maio de 2019, estabelecer que ela já está vigente seus efeitos somente serão aplicados a partir de 01 de agosto de 2019 e isso se deve tanto ao princípio da anterioridade nonagesimal, prevista pelo artigo 150, inciso II, alínea “b”, da CRFB/1988, quanto pela disposição expressa da segunda metade do artigo 13 de própria IN.

Mas exatamente aqui é que nos surgem as primeiras dúvidas: Se a IN já está valendo, então eu já devo declarar? Como ficarão os efeitos das criptos que não foram declaradas, caso não tenha as declarado?

A resposta correta é que você já deveria ter declarado pois a declaração em si não gera a obrigação de pagar impostos e sim, isso permite que o estado monitore o seu desenvolvimento econômico. Trata-se de uma armadilha legal em que se ficar o bicho pega, se correr o bicho come.

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Caso você não tenha declarado e não tenha ultrapassado os limites de ganhos de capitais até o dia 06 de maio de 2019, em tese, não existiria a necessidade de declaração das criptos uma vez que tal exigência demandaria de expressa previsão da Lei ou da norma competente. O problema está na previsão do artigo 106, inciso I, do CTN, que permite a interpretação do agente da Receita Federal para aplicação da IN para todo o período anterior a existência da IN.

Ainda que o inciso I do artigo 106 exija que seja excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados e do artigo 150, inciso III, alínea “a”, da CRFBN/1988 impor o princípio da legalidade ao determinar que não poderá haver cobrança de impostos antes da vigência da Lei que o institua, é bem provável que caso a Receita Federal ao realizar o cruzamento de dados constate a existência de criptos não declaradas na Declaração IRPF 2020 e declarações anteriores e você venha a cair na malha fina e tenha de se explicar para o leão, e isso já é por si uma baita dor de cabeça.

Agora, observa-se que o foco principal da Receita Federal permaneceu sobre as exchanges ainda que o conceito do que seria exchange tenha sito excessivamente expandido tornando praticamente qualquer pessoa jurídica e física numa exchange e obrigando-as a prestar as informações, ou seja, declarando, quando as movimentações ultrapassarem o valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) por mês e tenha sido feitas no território nacional ou tiveram como origem, destino ou passagem uma pessoa jurídica ou física dentro do território nacional, conforme prevê o artigo 6º, caput, incisos I e II e parágrafo 1º, desta IN.

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Importante dizer que a IN em seu o artigo 6º, parágrafo 2º, elencou um rol de movimentações que devem ser prestadas as informações, ainda que algumas escapem ao ambiente das exchanges como a dação em pagamento que nas criptos poderiam ocorrer em 02 (duas) situações: quando se substitui o produto a ser entregue por um outro completamente diferente mas mantendo-se o pagamento em criptos; ou quando a obrigação seja a entrega de uma cripto e está é substituída por outra cripto para a entrega de um dado objeto ou pagamento; bem como; a emissão de criptos tornando a obrigatória a declaração de tokens de criptos que muitas vezes podem ter valor total inferior a R$ 0,01 (hum centavo de real), mas, certamente, está previsão certamente voltam-se muito mais as ICO do que propriamente dito uma distribuição de tokens como aconteceu com a Cardano (ADA).

Conquanto, a previsão que mais chama a atenção é justamente do último inciso do mesmo parágrafo (artigo 6º, parágrafo 2º, inciso IX) ao prever que quaisquer outras operações que impliquem em transferência de criptoativos deverão ser declaradas, praticamente confessa ao contribuinte que a presente regulamentação é voltada como tributo de renda tendo em vista a disposição do artigo 153, caput, inciso III e com parágrafo 2º, inciso I, da CRFB/1988.

Nesta previsão do artigo 6º, parágrafo 2º, inciso IX, da IN, é possível de enquadrar os ganhos de criptos por mineração, independentemente da forma que a mineração ocorra: POS, POW, Nodes, etc.

Mas, afinal de contas, quem deve cumprir a IN?

Quem deve cumprir com a IN é basicamente a pessoa física e jurídica, presente ou não no território nacional, mas que de alguma forma a operação realizada com criptos tenha origem, destino ou simplesmente tenha passagem pelo território ultrapassando o total de movimentação de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) por mês com este valor sendo apurado ou em reais ou através do dólar norte americano (US$) convertido para o real.

Importante denotar, tendo em vista a previsão do artigo 4º do IN, que o argumento de utilizar moeda fiat diferente do dólar norte americano, como a libra esterlina, euro, rubros, etc., não pode ser alegado como lacuna na IN, uma vez que desde a conferência de Brentom Woods, em 1944, todas as operações de câmbio são apuradas justamente com base no dólar norte americano.

Aqueles que utilizam cartão de crédito e débito emitidos sob o CPF brasileiro, sejam estes operados por criptos, dólar ou real, devem tomar mais cuidado com as operações realizadas envolvendo cripto pois a troca de informações e cruzamento de dados é concentrado pela Receita Federal nos cartões, sobretudo, nos cartões de crédito os quais não são raros casos de pessoas que declaram autentica pobreza a Receita Federal e são pegos por realizarem compras em realmente valores substanciais no exterior.

Por fim, apesar das informações, meios de prestação e penalidades estarem previstas a partir do artigo 7º da IN está evidente que os meios de prestação das informações à Receita Federal ainda não estão finalizados e certamente serão meios diferenciados dos meios que já existem e para tanto se faz necessário a existência de outras normatizações que serão emitidas ao longo do período até o dia 01 de agosto de 2019.

Assim, é necessário aguardarmos para termos definidas todas as exigências e os meios de prestação de informações da Receita Federal, mas, de toda forma, será exigido do usuário maior atenção com as operações de criptos e de tudo o que a IN define como exchange um maior controle sobre suas operações.

No mais, existem meios alternativos que contornam as previsões da IN como a troca de criptomoedas, a compra no mercado P2P de forma que não seja utilizado o sistema bancário sendo uma solução o uso de meios de intermediadores de pagamento (exemplo: PayPal, EPay, MercadoPago, etc), faucets, sistemas de e-cidadanias estrangeiras, utilização de cartões de crédito, débito e traveller cards não vinculados ao CPF ou CNPJ brasileiros, uso de criptos focadas na privacidade.

Mas, certamente, o meio mais eficiente é não utilização de meios financeiros os quais a Receita Federal possa consultar e, sobretudo, a não repetição de chaves públicas de criptos dando preferência ao uso de uma chave pública por transação assim dificultando a vinculação das criptos aos seus proprietários.

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